Goblin Slayer – Volume 1 – Capítulo 12/ 13

Era o início de uma longa noite.
— GRARARARARARA! GRARARARA!!
Vendo a lua no topo do céu — “meio-dia” para o seu povo — o senhor goblin deu suas ordens.
Suas palavras foram transmitidas em um instante, com um clamor de vozes rosnantes, e o exército de goblins começou a avançar. Escondidos em um campo de gramas tão altas quanto eles, eles levantaram seus escudos enquanto ficavam em pé. Os goblins os chamavam de “escudos de carne”: tábuas nas quais mulheres e crianças capturadas foram amarradas. Em suma, dez prisioneiros nus estavam presos diante do exército. Eles gemiam periodicamente, espasmavam ou se contorciam incompreensivelmente.
Os goblins, por sua vez, já haviam tido muita diversão com esses prisioneiros. Se o escudo de carne vivia ou morria, não importava nada para eles. O que importava era que isso causaria resistência dos aventureiros ao lançarem uma flecha ou uma magia. Em contrapartida, se um aventureiro tivesse capturado um goblin e o usasse da mesma forma, nenhum outro goblin hesitaria em disparar diretamente por ele. É verdade, ele poderia ficar zangado por ter que matar seu companheiro goblin, mas só seria mais uma motivação para rasgar seus inimigos em pedaços.
O senhor goblin gargalhou só de pensar o quão tolos os aventureiros eram.
No limite de suas vistas, eles podiam identificar as luzes da fazenda. A cidade só poderia ser vista mais além.
Havia aventureiros na cidade. Aventureiros! Uma palavra nojenta para criaturas nojentas.
O senhor goblin chegou a uma decisão repentina. Ele pegaria cada aventureiro e os socariam de estacas até morrerem. Talvez antes do fim, eles se arrependeriam por tudo o que tinham feito à sua espécie.
Assim como os aventureiros que tinham atacado seu ninho — sua casa — e tinham abandonado ele no deserto porque ele era muito jovem.
Eles começariam com a fazenda. Roubar o gado e a ovelha para encher suas barrigas. Pegar a garota para ele mesmo e aumentar seus números.
A fazenda daria uma cabeça de ponte conveniente para atacar a cidade, massacrar os aventureiros e reforçar ainda mais suas fileiras. Então, finalmente, eles se voltariam para a Capital humana, a arrasariam, e ergueriam um reino goblin no seu lugar!
Esse dia ainda era um sonho, mas o plano na mente do senhor goblin era bastante real.
Os recrutas abaixo dele não conseguiam entender isso. Mas, eles tinham sua raiva, seu ódio e sua luxuria se agitando dentro deles. O reconhecimento da fazenda tinha revelado a presença não só de carne fresca, mas de uma jovem.
Eles se moviam ardentemente pela grama, que farfalhava enquanto avançavam. Finalmente, as luzes da fazenda estavam próximas. Em momentos, o ataque começaria.
Então aconteceu.
— GRUUU?
Uma névoa perfumada flutuou sobre o campo. Um dos portadores do escudo na frente do exército foi tragado, e um momento depois, ele reapareceu, se virando bem para outra direção e caiu no chão. Os outros portadores do escudo começaram a cair um por um. No tempo que o senhor goblin levou para piscar, formas escuras saltaram das sombras ao redor do muro da fazenda.
Aventureiros! Isso é mágica!
— GAAAUU!! — O senhor deu um grito.
— GAUGARRR!! — Um goblin xamã gritou algo e agitou seu cajado. Um raio foi disparado e atingiu um aventureiro no peito. Mas, enquanto o aventureiro caia, os outros diminuíram a distância rapidamente com os goblins e agarraram os escudos de carne. Eles ignoraram completamente o inimigo, recuando em vez disso tão rápido quanto tinham chegado. O xamã balançou seu cajado de novo e entoou, na esperança de atingir um dos aventureiros em fuga.
— GAAA?!
Uma flecha feita de galho perfurou seu peito. Sua boca se abriu e fechou por um momento, e então ele caiu de costas na grama, morto.
Graças a sua excelente visão noturna, os goblins logo localizaram a fonte do disparo.
Em cima de uma das árvores na fazenda, um elfo. Um elfo estava disparando neles!
Os arqueiros goblins se apressaram em devolver o fogo com seus arcos curtos, mas o elfo apenas bufou e saltou nos arbustos.
Os aventureiros que carregavam os escudos de carne passaram pelo muro, e em troca, um grupo dos seus companheiros armados apareceram. Eles continuaram abaixados enquanto corriam em direção aos goblins, acompanhados do barulho de suas armaduras.
— GORRRRR!!
O senhor goblin gritou apressadamente para suas tropas contra-atacarem, mas eles não estavam conscientes o bastante para lhe obedecerem. A magia Estupor estava agindo magicamente sobre eles, e um atrás do outro, eles foram derrubados por flechas com suas mentes ainda esvoaçadas.
— Então esses são os seus “escudos”. Criaturas macabras — disse a elfa, com nojo estampado em seu rosto. Ela atravessava velozmente o campo, disparando flechas como o vento. Ela podia disparar tão facilmente quanto podia respirar. Ela poderia acertar seus alvos com os olhos fechados. Suas flechas ceifavam goblins como uma foice através do trigo.
Ela não tinha realmente matado muitos dos inimigos. Mas, ela não conseguiria continuar para sempre.
— Eu peguei o conjurador deles!
— Muito bem, seus arruaceiros! Hora de ganharem seu dinheiro!
— Ha-haaa! Olhem nosso ouro marchando bem na nossa direção!
Os aventureiros fizeram contato com o inimigo antes que o exército confuso de goblins pudesse se reformar.
Agora, nenhum dos lados poderia usar magias, pois poderia apanhar seus próprios aliados no efeito, os aventureiros naturalmente, mas até mesmo os goblins tinham algum senso de risco e vantagem. Eles não tinham escrúpulos em usar seus companheiros como escudos, mas eles tinham que ter cuidado para que o número de escudos disponíveis não ficasse muito baixo. E de qualquer forma, mesmo quando se tratava de usar magias, goblins ainda eram goblins. Eles eram covardes e cruéis.
Assim, a batalha começou.
O tinir das espadas ressoaram. O cheiro de sangue estava em toda parte sobre a planície envolta pela noite. Berros, gemidos, gritos de guerra. Em meio ao clamor, silhuetas — aventureiros, goblins — podiam ser vistos desaparecendo um a um enquanto os combatentes caiam.
— Deuses, há goblins suficientes aqui para te liberar dessa vida! — Lanceiro rugiu de rir enquanto derrubava inimigo após inimigo.
À medida que cada monstro tombava no chão, Lagarto Sacerdote saltava neles e os atingia com um golpe final. — De fato, até mesmo o meu senhor Matador de Goblins estava desesperado… — Ele fez o gesto das palmas juntas e sacou a espada-presa. Ainda havia muitos goblins para matar.
— Não que, me importe, mas para teu próprio bem… fique dentro, de minha magia Deflexão de Projéteis, está bem? — Bruxa estava próxima, com o cajado na mão e lançando magia atrás de magia, seus seios fartos arquejavam enquanto ela respirava profundamente.
Por perto, Anão Xamã havia usado Estupor quantas vezes fora capaz e tinha recorrido a sua funda. — Me enterrem, Corta-barba estava certo de que ninguém poderia lidar com esse monte sozinho! — Ele disparou uma pedra que traçou uma linha perfeita de sua funda até a cabeça de um goblin. — Céus — disse ele — aqui você quase nem precisaria mir… O qu…?!
Anão Xamã semicerrou os olhos. Alta-Elfa Arqueira reparou imediatamente e gritou: — O que é isso, anão?
— Montadores, orelhuda! Goblins montados a caminho!
Uivos ecoaram por todo o campo iluminado pelas luas. Goblins montando lobos cinzentos enormes e brandindo espadas vinham correndo através da escuridão.
— Vou atirar neles daqui! Segure eles!
— Certo! Parede de lança, não os deixem passar! — Com as ordens de Lanceiro, os aventureiros próximos ficaram ombro a ombro e posicionaram suas armas para frente. Os lobos vieram como se alheios a chuva de flechas caindo sobre eles. Os aventureiros impulsionaram suas lâminas com prazer na barriga das feras.
Houve um uivo e um grito estridente.
— Errraggghh!
Um aventureiro fora atingido por um montador investindo e encontrou um lobo em sua garganta. Muito dos animais, no entanto, sucumbiram aos ataques dos aventureiros, lançando os goblins de suas costas.
— Atacaaaaaar! — O homem-lagarto liderou com um grande berro e voou para finalizar os cavaleiros derrubados. Como o guerreiro sacerdote que era, de vez em quando, ele gritava estridentemente no que poderia ser uma oração dos homens-lagarto.
Apesar de tudo, os aventureiros estavam ganhando bem comodamente.
Em geral, em uma disputa direta entre um aventureiro e um goblin, o aventureiro normalmente se sairia melhor, desde que a má sorte não intervisse. E o que era mais…
Matador de Goblins disse: — Estabeleçam emboscadas. Eles são especialistas em ataques surpresas, mas nunca esperam ser emboscados.
Ele disse: — Tomem uma postura baixa. Apontem para as pernas. Eles são pequenos, mas não podem voar.
Ele disse: — Eles certamente terão escudos de carne. Lancem magias de sono, então usem esse momento para salvar os reféns.
Ele disse: — Mesmo que vocês pensem que podem matá-los enquanto resgatam os escudos, não o façam. Se eles acordarem, só será um problema.
Ele disse: — Não usem magias de ataque. Guardem suas magias para outras coisas.
Ele disse: — Espadas, lanças, flechas, machados, qualquer tipo de arma pode ser usado para matá-los. O que vocês não podem fazer com uma arma, façam com magia.
Ele disse: — Eliminem primeiro os seus conjuradores.
Ele disse: — Não os deixem chegar atrás de vocês. Sempre continuem se movimentando. Façam movimentos pequenos com suas armas. Conservem suas forças.
Ele disse…
Os outros aventureiros ficaram francamente atônitos com a quantia de conhecimento que Matador de Goblins lhes transmitiu.
Aventureiros não eram soldados, mas eles não eram estranhos quanto a estratégias. Ainda assim, eles não estavam acostumados a tomar tanto cuidado contra os goblins. Aventureiros experientes e inexperientes viam os goblins como inimigos insignificantes.
— Cara! Não só eu farei um bom dinheiro; eu começarei a impressionar a minha garota! — Com essas táticas em mãos, os goblins eram fáceis de se lidar, contanto que pudessem ser forçados a combates um contra um. Lanceiro e os outros guerreiros impulsionavam suas armas para a esquerda e para a direita, por todo o lado encontrando um goblin para matar.
Nas profundezas das fileiras inimigas, todavia, eles podiam ver uma forma enorme erguida, a sua silhueta contra a lua.
— Ali está! Um hob… Espera, é isso?
— GURAURAURAURAURAUUUU!!
O grande rugido atravessou o campo de batalha sangrento.
A criatura era tão grande que poderia ser confundida com um ogro. Ela segurava uma clava manchada de sangue e cérebro. Um campeão goblin.
Um goblin, sim, mas um tão poderoso que poderia com suas próprias mãos, virar a maré da batalha.
Estava longe de qualquer aventureiro, todavia, recuar de um desafio só porque tinha o dobro do tamanho deles e carregava um porrete grande.
— Ahhh, aí está o grandalhão! Eu estava ficando cansado desses frangotes! — O guerreiro de armadura pesada foi o primeiro a mergulhar no campeão, com sua arma no ombro e um sorriso selvagem nos lábios. Revirando os olhos, Cavaleira o seguiu, com seu escudo erguido.
— Justo quando eu estava ocupada contando quantas cabeças de goblins eu tinha recolhido — disse ela.
— Os conte depois! Lute agora!
— Vocês guerreiros têm mentes tão obcecadas. — Com essa brincadeira, eles avançaram alegremente para a batalha contra o novo inimigo.
Por todo o campo, armas tocavam umas às outras, e sangue jorrava pelo ar.
— E onde está o nosso líder destemido nisso tudo? — perguntou Lanceiro, enquanto ele parava para limpar a ponta de sua lança no pelo de um lobo. Sua respiração estava ficando irregular.
Atravessando o campo, uma nova massa escura havia aparecido.
Reforços dos goblins. Não havia tempo para descansar. Ele segurou perto sua lança e se preparou.
— Ah, eu acho, que você sabe, a resposta, para isso — sussurrou Bruxa, com uma voz melosa, enquanto ela dava uma longa tragada em seu cachimbo e soltava lentamente a respiração. Um vapor rosa perfumado flutuou ao vento, e todos os goblins que o respiraram, encontraram seus sentidos entorpecerem. Ao longe, os reforços começaram a se mover mais lentamente também.
— Obviamente — disse Alta-Elfa Arqueira, com uma risada, disparando contra os inimigos estupefatos. — Ele foi matar goblins.
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Como é que isso aconteceu?!
O senhor goblin corria tão rápido que estava quase tropeçando. Assim que ele tinha percebido que não havia chance de vitória, ele tinha fugido do campo de batalha. Atrás dele, ele podia ouvir armas tilintando, gritos e os sons de magias reverberando.
Alguns desses gritos deveriam ser de aventureiros. Mas a maioria era de goblins.
Isso deveria ser um ataque surpresa para estabelecer uma posição na área. E, no entanto…
Nós é que tomamos! Então, como é que isso aconteceu?!
Sua horda estava perdida. Com suas forças em cheque, não valia a pena rondar por perto.
Contanto que ele sobrevivesse, isso era tudo o que importava.
Ele voltaria para o ninho, usaria as mulheres capturadas lá para construir suas tropas.
Tal como antes.
O senhor goblin era um Andarilho, o sobrevivente solitário de um ninho destruído por aventureiros. Agora, ele vivia só para matar aventureiros.
Não é tão difícil.
Sua primeira vítima tinha sido a mulher que o havia poupado “porque ele era apenas uma criança”. Ela tinha se tornado comida para ele assim que virou as costas.
Ele tinha aprendido então que, se você atingisse um aventureiro com força suficiente na cabeça com uma pedra, eles se tornariam bastante flexíveis. Quando ele descobriu que uma clava era ainda mais eficaz, ele a usou. Então, ele tinha aprendido a usar armas e vestir armadura. Da forma como os aventureiros formavam seus grupos, ele apercebia as melhores formas de liderar uma horda.
Seus longos dias vagueando, haviam treinado seu corpo e mente até que ele fosse um desafio até mesmo para um guerreiro humano.
Isso seria o mesmo.
Sob as duas luas, o senhor se afastava da batalha e corria por sua vida.
Através da grama, levantando a terra, em direção a floresta. Dentro da floresta. Havia uma caverna. Seu ninho.
Ele havia falhado. Mas, enquanto vivesse, haveria outra chance.
Ele aprenderia e reabasteceria suas tropas, e da próxima vez seria melhor. Da próxima vez…
— Eu sabia que você viria aqui.
Uma voz calma, fria e quase mecânica o pegou. Irrefletidamente, o senhor goblin parou onde estava. Ele preparou o machado de guerra que segurava na mão.
Seus olhos podiam distinguir a figura parada diante dele no escuro. Era um aventureiro com armadura de couro barata e um capacete de aço. Um escudo pequeno estava preso em seu braço esquerdo, e na mão direita, uma espada quase longa demais para se empunhar. Ele estava salpicado com sangue de matança, de pé em uma poça nauseante.
— Tolo. Vejo que ambos usamos nossos exércitos como iscas.
O senhor podia falar a língua comum, apesar d’ele a desprezar. Ele não sabia quem era esse aventureiro. Mas estava muito claro o que tinha acontecido.
— Sua casa não existe mais.
— ORGRRRRRR!!
O senhor deu um grito ensurdecedor e avançou em Matador de Goblins. O senhor levou o seu machado para baixo em um arco, o que significava dividir o crânio do aventureiro, mas Matador de Goblins bloqueou o golpe com seu escudo. Houve um barulho de metal se partindo.
Matador de Goblins balançou bem o escudo e empurrou de lado o machado, então deu um impulso perspicaz com a espada.
— Hrm! — murmurou ele.
A ponta da sua espada atingiu o senhor no peito, mas só fez um som seco. O goblin estava usando um peitoral de placas.
Matador de Goblins era imperturbável, mas se congelou por um segundo, e naquele momento, o machado veio a ele de lado.
Uma decisão instantânea. Ele se atirou para o lado, rolando para evitar o golpe. Ele se ergueu em um joelho, ofegante.
— …
Matador de Goblins se levantou e rodou sua espada lentamente na mão, segurando o escudo diante dele.
— GRRRR…
O senhor fez um som de desgosto e agarrou seu machado de guerra com as duas mãos.
O abismo entre a força e armamento deles era imenso.
Suas feridas de antes. O mês se recuperando. Ele tinha precisado desse tempo para se curar, e mesmo assim…
Matador de Goblins estava perfeitamente ciente de que suas habilidades tinham diminuído. No entanto, não seria um problema. Ele não deixaria ser um problema. Havia um goblin na frente dele. Era tudo o que ele precisava.
— …!
Matador de Goblins se lançou como uma flecha sobre o adversário.
Ele se moveu em uma postura baixa; com a mão esquerda, ele agarrou um punhado de grama, a cortou e jogou no senhor goblin.
No segundo que o senhor tomou para dispersar com a mão a nuvem de grama, Matador de Goblins impulsionou sua espada.
Sangue voou, e um grito.
— GARUARAARARAA?! — O senhor brandiu seu machado de guerra em frenesi, sangrando pela testa. Antes que um observador pudesse ter estalado a língua, um ataque conectou em Matador de Goblins.
Ele se sentiu flutuando no ar, e depois aterrissou dolorosamente no chão.
— Oof! Ugh… — As suas costas tinham se encontrado com o chão duro, forçando o ar de seus pulmões. Ele viu que seu escudo quase havia sido dividido ao meio.
Suas habilidades podem ter enferrujado, mas seus músculos ainda se lembravam de seu papel. O escudo que ele levantou instintivamente havia salvado sua vida de novo.
— Eles não são bons em ataques frontais… — murmurou ele, se levantando, se apoiado em sua espada.
— GAROOOO!!
O senhor goblin não perderia sua chance. Ele veio investindo pela grama.
Matador de Goblins deu um pequeno aceno. Ele segurou sua espada no alto, levantou seu escudo surrado e encarou o senhor de cabeça erguida.
Um instante depois, ele correu contra o inimigo.
O machado de guerra do senhor goblin veio assobiando pelo ar. Matador de Goblins manteve seu escudo para encontrá-lo e impulsionou sua espada.
Impacto.
O machado dividiu o escudo em dois e cortou fundo no braço de Matador de Goblins. O aventureiro saiu voando mais uma vez.
Mas, no mesmo momento, sua espada havia cortado a barriga do goblin, que agora jorrava sangue no campo escuro.
— GAU…
Mas a ferida não era fatal. O senhor franziu a testa furiosamente.
— Ugh, tsc…?! — Matador de Goblins começou a se levantar do chão. Mas ele não aguentava. Ele tentou usar sua espada para se erguer, mas estava quebrada.
— GURRR… — O goblin até parecia aborrecido. Pelo menos, ele teria sua vingança pelas suas tropas caídas. Ele cortaria as mãos e os pés desse homem, o amarraria em uma estaca e o torturaria até a morte. Quando ele imaginou esse futuro sombrio, o senhor goblin começou a gargalhar, então ele seguiu lentamente até a sua presa.
Ele deu um chute perverso no capacete de Matador de Goblins imóvel.
Silêncio.
O senhor não ficou satisfeito. As presas deveriam se acovardar no momento da morte.
Mas, que seja.
Morte acabaria com isso. Para sempre. Talvez essa noite ele teria de se contentar com isso.
O senhor goblin ergueu o machado de guerra lentamente.
Crac.
No segundo seguinte, o machado foi jogado para trás.
— GAU…?
Ele tinha atingido uma raiz de árvore ou algo assim? O senhor olhou para trás com frustração, mas não havia nada lá. As árvores mais próximas estavam um pouco longe.
— GA, RRR…?!
Desta vez, como tentativa de abaixar sua arma, o senhor descobriu que o machado não se movia nada. Não, era seu próprio corpo que não estava respondendo aos seus comandos. Seus ossos rangiam como se algo estivesse pressionado contra ele. Como se estivesse preso entre duas paredes invisíveis.
— GA, GAO…?!
Os olhos do senhor viraram para frente e para trás; ele nem sequer conseguia se mexer.
O que estava…? O que estava acontecendo…?!
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda segurança para nós que somos fracos…
A resposta à sua pergunta veio na forma de uma voz miraculosamente clara entoando uma oração.
Uma jovem bela saiu do bosque nas proximidades. Suor pairava em sua testa, e em suas mãos trêmulas estava um cajado de monge.
Uma sacerdotisa jovem rezando fervorosamente para a Mãe Terra.
Isso é culpa dela!
— GAAAAUUAUAUAUAUAAA!!
O senhor goblin uivou todas as ameaças vis que conhecia. Ele arrancaria seus membros e a faria comê-los! Não, ele a perfuraria com uma estaca tão fundo pelo rabo que sairia pela boca! Ele quebraria seus dedos em pedacinhos pequenos um a um, queimaria o seu rosto até que ninguém a reconhecesse…
Ela parecia tão frágil. Certamente, um pouco de intimidação era tudo o que seria necessário para assustá-la…
— …!
Mas ele estava errado.
Rosto pálido, mordendo os lábios, Sacerdotisa ainda segurava seu cajado trêmulo.
O senhor começou a se preocupar.
— GA… RO…?
Talvez essa garota não fosse bem o que parecia.
Mudança de tática então. O senhor pôs sua expressão mais lamentável e implorou por perdão. Ele jamais faria tal coisa novamente. Ele tinha estado errado, muito errado. Ele viveria discretamente na floresta, nunca mais veria uma aldeia humana de novo. Por favor, perdoe. Por favor.
Ele balbuciava com sua versão patética da língua comum. Se tivesse sido possível, ele teria se jogado a seus pés.
Não seria a primeira vez que ele teria convencido um aventureiro a poupar sua vida por meio de uma demonstração de arrependimento.
A primeira vez foi a muito antes dele ter se tornado um senhor, de fato, ele ainda era uma criança. Se pensarmos bem, esse aventureiro também fora uma mulher. “Tudo bem” dissera ela, “mas nunca deve fazer esse tipo de coisa de novo”. Ele concordou avidamente. E depois, claro, a matou assim que ela se virou.
Ele tomou o deleite sombrio da memória daquela mulher implorando por ajuda enquanto ele a esfaqueava até a morte. Ela havia pensado que era forte.
Se ele pudesse viver agora, ainda haveria tempo para tramar sua vingança.
E antes de tudo, eu levarei essa garota!
— Como se eu o deixasse. — Uma voz fria ecoou, o apanhando.
— GA, RR…?!
A voz emitiu frio pelas suas veias como um vento das entranhas da terra.
Matador de Goblins ficou de pé lentamente.
Seu braço esquerdo pingava sangue. Na mão esquerda, ele segurava o escudo fendido. Na direita, sua espada quebrada.
Ele andou ousadamente em direção ao senhor goblin. Ele empurrou a espada no lado do pescoço do goblin paralisado.
— GA… GO…?!
A arma quebrada não podia cortar ou perfurar.
Mas ela poderia esmagar. A criatura algaraviava sem sentido enquanto a lâmina pressionava a sua traqueia.
— Um senhor? Ridículo. — O senhor tentou desesperadamente se esforçar.
— Você é um goblin.
O goblin abriu a boca, lutando por ar.
— Apenas um goblin…
Mas ele não podia fazer nada.
— …imundo e inútil.
O rosto do senhor mudou de cor, e sua língua se estendeu para fora. Saliva espumava para a beira da boca, seus olhos rolaram para cima em sua cabeça.
— E eu…
Quando o senhor sentiu sua consciência indo embora, uma questão surgiu em sua mente sumindo.
O que? O que é você?
— …sou Matador de Goblins!
Os olhos da criatura permaneceram rolados para trás de sua cabeça. O goblin que seria rei espasmou uma, duas vezes e morreu. Houve um longo silêncio.
— Essa é uma… cabeça de goblin…
A espada de Matador de Goblins caiu de sua mão mesmo enquanto suas palavras saiam de seus lábios. Depois ele caiu para frente como se suas cordas tivessem sido cortadas.
Sacerdotisa jogou seu cajado de lado, correu em frente e o pegou. — Matador de Goblins, senhor! — Ele era bastante pesado para seus braços finos, coberto de couro, metal, lama e sangue.
Um momento depois, o milagre Proteção desvaneceu, e o corpo do senhor goblin se colapsou próximo a Matador de Goblins. Sacerdotisa não olhou para ele, mas sim para as feridas de Matador de Goblins. Havia um corte profundo no seu braço esquerdo. Na pior das hipóteses, poderia chegar até o osso.
— Por favor… não faça essas tolices…
— …Argh…
Ela soltou um gemido de sua mente enquanto pressionava suas mãos na ferida, ignorando o sangue que manchava suas mãos.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, coloque tua venerável mão sobre as feridas do teu filho…
A oração era discreta, obstinada e sincera.
O que aconteceu naquela primeira aventura…? Eu quero que nunca aconteça de novo…
A Mãe Terra ouviu graciosamente sua súplica e tocou o braço de Matador de Goblins com seu dedo iluminado. Foi assim que Sacerdotisa usou seu milagre remanescente.
Ele havia lhe dito que distrairia o senhor goblin enquanto ela usava Proteção.
Ela já não estava perturbada com a ideia de usar dois milagres Proteção em conjunto, não para proteger seu alvo, mas para prendê-lo. Mas ela não havia adicionado o terceiro milagre Proteção como ele havia instruído.
Talvez tenha sido uma revelação que a impediu de esgotar seus milagres. Pois se ela tivesse, a vida desse homem — esse homem estranho, teimoso e sério — teria acabado aqui.
— …Deuses. Eu já te disse…
— Matador de Goblins, senhor!
Com a voz bruta que a alcançou, ela respondeu com lágrimas nos olhos.
— …Tolice não é o que ganha batalhas.
Matador de Goblins se sentou penosamente. Sacerdotisa o ajudou o melhor que pôde, o apoiando sob seus braços. Ele era quase pesado demais para apoiar. Agora, ela tentou ajudá-lo a se pôr de pé. Esforçando-se para o agarrar com seus braços esbeltos e bonitos, Sacerdotisa o apoiou no ombro e se levantou.
— Você pode… dizer isso…
— …
— …Mas acho que… precisa ter mais cuidado…!
— É?
Ela ficou em silêncio.
— …Me desculpe.
Fungando e soluçando, Sacerdotisa balançou a cabeça veementemente.
Passo por passo lacrimosos, ela começou a andar para a frente devagar e seguramente.
Tomando o cuidado para tirar o máximo de peso sobre ela quanto pudesse, Matador de Goblins disse calmamente: — Foi porque eu confio em você.
Sacerdotisa sorriu através das lágrimas que escorriam pelas suas bochechas. — …Você realmente não tem jeito, não é?
Ela pensou em seus companheiros que haviam morrido em sua primeira aventura juntos. Ela pensou nos aventureiros que estavam sangrando e morrendo nesse momento. Ela pensou nos goblins que haviam sido mortos. Ela pensou no senhor goblin que havia morrido na frente dela.
Enquanto todas essas coisas rodavam em sua mente, ela tomou consciência do peso do homem apoiado nela. Era tudo o que ela podia fazer para mantê-lo com seu corpo exausto.
Ela avançava com um passo penoso de cada vez, mal se movendo. Os sons da batalha estavam longe, e as luzes da cidade ainda mais.
Mas, a cada passo, seu coração ficava feliz.
------------------------------------------- Capitulo 13 --------------------------------------------------
— Pela nossa vitória, pela fazenda, pela nossa cidade, pelos nossos aventureiros…
Alta-Elfa Arqueira olhou em volta, para todos os seus aliados que tinham se reunido na Guilda, cada um com seus diversos ferimentos.
— …e pelo esquisito que está sempre falando de goblins! Viva!
Um grande grito surgiu da multidão, e todos esvaziaram seus copos. Esse era o quinto ou sexto brinde, mas ninguém se importava. Eles tinham vindo para a Guilda praticamente antes de o sangue da batalha secasse, e eles estavam bobos com a vitória.
E que vitória foi.
Uma centena de goblins destruídos. Os goblins tinham xamãs, campeões e tudo mais ao seu lado, e ainda não tinham sido páreos para os aventureiros.
É claro, os aventureiros não haviam escapado ilesos. Houve mortos e feridos. Há sempre aqueles apanhados pela má sorte. Assim, a agitação aqui não era apenas em comemoração à vitória, mas também em memória dos amigos caídos. Todos que se aventuram sabiam que amanhã poderia ser eles.
Quando a batalha acabou, Vaqueira e seu tio foram pegos também pelas festividades, e a festança aumentou rapidamente e se propagou.
Ele — como sempre — estava sentado em um banco no canto perto da parede.
Seu braço esquerdo estava enfaixado contra o peito, mas a dor parecia ter desaparecido. Ele observava a festa no reflexo sobre a superfície brilhante de uma peça de ouro.
Anão Xamã tinha preparado seu estoque pessoal de vinho de fogo, e estava o compartilhando ao redor. Mais de um novato se viu embriagado antes de terem virado um copo inteiro.
Próximo ao anão, um Guerreiro Dragãodente, sob o controle de Lagarto Sacerdote, realizava uma dança bizarra aclamada.
Garota da Guilda estava correndo como uma cachorrinha animada. Quando Lanceiro chegou até ela, Bruxa lhe deu um golpe forte com seu cachimbo.
— Taverneiro! Sou uma mulher rica essa noite! Continue assim!
— Carne! Traga carne! No ponto!
— Você não disse que sairia comigo? Hã? Que tal ir conhecer meus pais na volta de casa…?!
— Uau! Quantos copo já bebeu?
— Muuuuito bem! Se juntem a mim para uma bebida… precisamente hoje!
— Oh, que tal um antídoto para se proteger da ressaca?
— …Um, por favor.
Ele semicerrou um pouco os olhos.
Ele havia limpado todo o ninho de goblins, mas do exército mesmo, ele havia matado só o senhor.
Daí a sua recompensa: uma peça de ouro.
Ele pressionou a peça na palma de Sacerdotisa, que se sentava ao seu lado. Mais cedo, ela estivera sorrindo intensamente, mas conforme a festa avançou, ela descansou a cabeça no ombro dele, e agora estava respirando levemente durante o sono.
— Ela deve ter lutado muito.
Do outro lado da jovem, ela — Vaqueira — acariciava o cabelo de Sacerdotisa. Ela limpou um pouco de sujeira da bochecha de Sacerdotisa, em um gesto que lembrava a de uma irmã mais velha cuidando de sua irmã mais nova. — Ela é só uma menina. Não a faça se sobrecarregar, está bem?
— Sim. — Ele assentiu calmamente. Vaqueira franziu os lábios.
— Você não está de bom humor. — Ela pausou. — Aconteceu alguma coisa?
— Não é nada — disse ele, balançando ligeiramente a cabeça.
— Como sempre.
— …Sério?
Os dois ficaram calados, observando os aventureiros. Os vencedores reunidos bebiam, comiam, riam e celebravam. Tanto os feridos quanto os ilesos. Aqueles que tinham se distinguido especialmente e aqueles que não. Todos os sobreviventes aproveitavam o que ganharam com essa aventura.
— …Obrigada — sussurrou ela para ele.
— Pelo quê?
— Por nos salvar.
— …Eu não fiz nada — disse ele bruscamente.
O silêncio retornou entre eles. Não era desconfortável. Cada um deles sabia o que o outro estava pensando.
— Ainda não…
— Hmm? — Ela inclinou sua cabeça com seu sussurro reprimido.
— Ainda não acabou…
— Talvez. Mas isso é alguma coisa.
Ela esperou ele responder.
Ele pensou e pensou, e então disse lentamente, com hesitação: — Eu suponho… eu acho que quero… me tornar um aventureiro.
— É?
Para ela, ele parecia ter dez anos de idade outra vez. Mas, ao contrário de quando tinha tido oito anos, dessa vez, ela podia responder com um sorriso e um aceno incentivador. — Tenho certeza de que consegue.
— Acha?
— Sim, acho.
Pode não ser até o longínquo dia em que não houvesse mais goblins, mas…
— Mm… ha… aah? — Naquele momento, Sacerdotisa se mexeu. Suas pálpebras se abriram. — Hum, o qu…?! E-eu adormeci…? — perguntou ela, com o rosto vermelho-vivo. Ao vê-la, ela — Vaqueira — riu.
— Ha-ha-ha. Todo mundo lutou tanto hoje. Não podemos te culpar por querer tirar uma sonequinha.
— Oh, ahh, hum… Me d-desculpe…
— Não me importo.
— Muito bem. Tenho que ir agradecer algumas pessoas. — Com mais uma afagada carinhosa no cabelo de Sacerdotisa, Vaqueira se levantou. O “vá com calma hoje” que ela soltou quando partiu, suscitou um aceno dele, e um rubor e uma olhadela para o chão de Sacerdotisa.
— …Você está bem, não vai se juntar aos outros?
Sacerdotisa balançou a cabeça. — Estou bem. — Ela pausou. — Estou… curtindo sozinha.
Não, não está bem… Não sei por quê, mas isso não pode continuar…
De repente, Sacerdotisa bateu as mãos. Essa era outra coisa que tinha aprendido com Matador de Goblins: muito melhor agir no momento, do que encontrar uma estratégia perfeita depois do ocorrido.
— So-sobre você, Matador de Goblins, senhor? Está tudo bem?
— Com o quê?
— Com o… dinheiro ou… qualquer coisa?
— Nenhum problema. — Foi uma mudança brusca de assunto, e independentemente de Matador de Goblins reconhecer ou não, ele assentiu. — Compensei todos como combinamos.
Ela lhe deu um olhar interrogativo.
— Eu paguei uma rodada de bebidas.
— Ah. — Sacerdotisa colocou inconscientemente a mão na boca. Seu olhar acabara assim de cair sobre Lanceiro, que estava retirando a rolha de outra garrafa de vinho fino. Ao lado dele, Bruxa estava saboreando seu primeiro copo de vinho de alta classe.
Ele deve saber, certo? Certamente. Provavelmente.
— …Você é inteligente, não é?
— O mercado decidiu que o extermínio de goblins não vale muito.
— E isso está certo?
— Acho que sim.
— De qualquer forma — murmurou ele — a Guilda está pagando a recompensa de agora. — Não lhe custou nada.
Ela olhou para ele com os olhos entreabertos. Ele realmente não parecia incomodado. Claro, Sacerdotisa não estava realmente falando sério, tampouco. Era só um gracejo. Ela se sentiu flutuando. Seu coração acelerou. O sangue se apressou pelo corpo.
— Matador de Goblins, senhor…
— Sim?
— Por que você não…? Digo, por que não publicou uma missão normal.
Era aquelas teatralidades na Guilda realmente necessárias? Não teria sido suficiente publicar uma missão normalmente? Essas eram as perguntas em sua mente.
Matador de Goblins ficou em silêncio.
— Se não quer responder, está… está bem… — acrescentou apressadamente ela.
O silêncio se esticou por mais um momento.
— Não havia razão importante — disse ele balançando a cabeça. — Só… quando aconteceu comigo, ninguém veio.
Ele olhou para a multidão de aventureiros bem bêbados. Aqueles que haviam se apressado a se juntar a ele, aqueles que tinham arriscado suas vidas para matar os goblins.
E aqueles que não haviam voltado, que tinham morrido.
— Era possível que ninguém viesse dessa vez também. Não há promessas. Só sorte.
Essa foi a sua única razão. Ele murmurou: — E porque, ouço, que sou “esquisito”.
Então, o capacete de aço ficou silencioso mais uma vez. Sacerdotisa suspirou.
Esse cara realmente não tinha jeito.
Então ela lhe disse: — Você está errado. Se pedir minha ajuda, vou te ajudar.
— Não seja estúpida.
— Não só eu, também. Todos os aventureiros nessa cidade… todos eles.
No fundo de seu coração, ela suspirou. Ele realmente não tinha absolutamente jeito.
— Da próxima vez também. E depois dessa. Sempre que precisar de ajuda, eu vou estar aqui. Estaremos aqui.
No fundo de seu coração foi onde ela também encontrou suas próximas palavras.
— Então… então sorte não tem nada a ver com isso. — Então ela sorriu, um sorriso tímido que surgiu como uma flor desabrochando.
— É mesmo? — murmurou ele, e ela disse “Sim, é”, inflando um pouco seu peito.
Agora… agora ela poderia dizer isso, não poderia?
Seu coração batia forte em seu peito. Ela apertou seus punhos e soltou o fôlego.
— Diga, Matador de Goblins, senhor…
Ela deveria estar bêbada. A bebida a fez fazer isso. Sim, isso serviria como desculpa.
— Eu sei que é um pouco tarde, mas… eu poderia pedir por uma recompensa também?
— Que recompensa?
Por favor, oh, por favor, Mãe Terra, me dê coragem…
A coragem de dizer as palavras que lhe diria o que ela queria.
Ela inspirou, expirou. Ela olhou diretamente para ele.
— Por favor, me deixe ver seu rosto. Seu verdadeiro rosto.
Ele não disse nada por um longo momento.
Com isso, ele suspirou quase em resignação, e pôs as mãos em seu capacete.
Ele soltou as travas e removeu o elmo, e depois de uma longa batalha, lá estava ele, sob as luzes do salão.
Sacerdotisa riu baixinho e assentiu, sem fazer nenhum esforço para esconder suas bochechas vermelhas.
— Eu acho que você parece… ainda mais corajoso assim.
— Acha?
Foi naquele momento, enquanto ela assentia, que um grito atravessou o ar.
— Ahhhh!! Orcbolg, você tirou seu capacete?! Não é justo! Eu nunca tive a chance de ver o seu rosto! — O rosto de Alta-Elfa Arqueira estava vermelho-vivo. Ela estava apontando o dedo para ele, e suas orelhas tremiam loucamente.
— O quê?!
— O que você disse?!
Nenhum dos outros aventureiros perderam o que tinha acontecido. Afinal, seus poderes agudos de percepção eram a chave para sua sobrevivência.
Naturalmente, os foliões se pressionaram para vê-lo, ainda segurando suas bebidas, sua comida.
— O-o qu-quuu…? Incrível! Que oportunidade!
— Você acha? Parece que sim. Ele provavelmente só tira esse capacete quando está dormindo ou quando quebra…
— Oh-ho! Bem, é assim que um guerreiro deve parecer!
— Eu não tinha esperado menos de você, Corta-barba. Você tem uma boa aparência.
— Hã…? Sinto que o conheço de algum lugar… Pfft! Deuses. Não suporto esse rosto.
— Hee-hee. Eu sabia, que deveria ser… bastante bonito, debaixo dessa armadura.
— Espera, esse é o rosto de Matador de Goblins?!
— Ei, me traga os livros que mantivemos essas apostas!
— …Isso quer dizer que os espíritos malignos voltarão amanhã?
— Droga, e eu que apostaria tudo que era uma mulher naquela armadura!
— Eu pensei que ele deveria ser um goblin…
— Eiii, alguém adivinhou corretamente? Venha aqui e receba!
Ele foi empurrado por sua família adotiva, amigos e camaradas de armas — pessoas que ele conhecia e pessoas que ele nunca conheceu — todos tentando dar uma olhada melhor nele. Ao lado dele, Sacerdotisa, que foi apanhada com ele no empurra-empurra, estava perturbada. Ela olhou para ele por ajuda.
Estava barulhento, animado e descontrolado.
Amanhã, as coisas provavelmente voltariam ao normal.
Nada mudaria. Nada mesmo.
Exceto…
“Da próxima vez também. E depois dessa. Sempre que precisar de ajuda, eu vou estar aqui. Estaremos aqui.”
— É mesmo…?
“Então… então sorte não tem nada a ver com isso.”
— Espero… que seja verdade.
E com essas palavras, mesmo bem ligeiramente, ele sorriu.
Era uma vez, em um tempo em que as estrelas no céu brilhavam muito menos que agora…
Os deuses da luz, da ordem e do destino competiam com os deuses da escuridão, do caos e do acaso para ver quem controlaria o mundo. Essa competição ocorreu não em batalha, mas em um jogar de dados.
Ou melhor, muitas, muitas jogadas. Uma e outra e outra vez eles jogavam os dados.
E houve vitórias e houve derrotas, mas nenhuma resolução.

Por fim, os deuses se cansaram dos dados. Imediatamente, eles criaram muitas criaturas para serem suas peças de jogo, e um mundo no qual jogar. Humanos, elfos, anões, homens-lagarto, goblins, ogros, trolls e demônios.
Por vezes eles se aventuravam, eles obtinham vitórias, sofriam derrotas, encontravam tesouro ou felicidade, e finalmente morriam.
Os deuses, os observando, por sua vez ficavam felizes e tristes; eles riam e choravam.
Com o tempo, os deuses mais inesperados vieram a desfrutar dos feitos de suas peças de jogo, para amar verdadeiramente o mundo que eles tinham criado. Foram as suas devoções a esse mundo que mostraram primeiro aos deuses que eles tinham corações.
É verdade, os dados às vezes vão mal, e falhas vêm, mas é assim que as coisas são.

Nesse mundo, apareceu um aventureiro em particular.
Ele não era um rapaz excepcional. Sua inteligência não o distinguia, nem seus talentos, nem sua origem, nem seu equipamento, nem nada.
Ele era apenas um guerreiro humano, como você poderia encontrar em qualquer lugar.
Todos os deuses gostavam dele, mas isso não pressagiava grandes coisas para ele.
Ele não salvaria o mundo.
Ele talvez sequer mudaria nada.
Afinal, ele era apenas mais um peão, como você poderia encontrar em qualquer lugar…

Mas esse aventureiro era um pouco diferente dos outros.
Ele era extremamente cuidadoso, sempre pensando em planos, deliberando, treinando, sem deixar passar nenhuma oportunidade por ele.
Ele não deixava os deuses jogarem os dados.
Ele não precisava de uma origem, talento ou trapaças.
Tais coisas eram como porcaria para ele.

Até os deuses eram irrelevantes em seus olhos.
Mas um dia, os deuses perceberam uma coisa.

Ele não salvaria o mundo.
Ele talvez sequer mudaria nada.
Afinal, ele era apenas mais um peão, como você poderia encontrar em qualquer lugar.
Mas ele não deixaria os deuses jogarem os dados.
Assim, até mesmo os deuses não sabiam qual seria o destino desse aventureiro.

Sua luta contínua em algum lugar até agora.

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